Folha de São Paulo - 25/11/96
Daniela Rocha
Chico Buarque canta sobre a terra
Cerca de quinze minutos depois de terminado o evento de lançamento do livro "O espírito e a letra", de seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, na última sexta-feira no Masp, o cantor e compositor Chico Buarque foi embora para sua casa em São Paulo caminhando pelas ruas.
Dispensou seguranças e seguiu a passos acelerados: "Adquiri sotaque paulista nos pés."
Foi apenas interrompido por um guardador de carro: "Oi, estou guardando vosso motor." Cumprimentou-o: "Mas você não me guardou, não, estou a pé." Em uma conversa rápida nesse trecho, Chico falou sobre o projeto que vem fazendo com Sebastião Salgado para o livro "Terra."
Folha - Você prepara um CD para ser lançado com o livro "Terra", do fotógrafo Sebastião Salgado?
Chico Buarque - É um projeto em conjunto com o Salgado e a Companhia das Letras. Na capa do livro vai ter um encarte com o CD, que é um compacto pequeno, com umas quatro músicas, uma coisa simples... Tenho uma música e meia pronta. A que está feita chama "Levantadas do chão", e a outra é um baião, que estou querendo terminar agora.
Folha - Mas você e Salgado trabalharam juntos?
Chico Buarque - Tivemos uma conversa, e ele deixou as fotos que vão constituir o livro. Isso foi do que eu dispus para compor. O tema é a terra, o trabalhador sem terra, o sem-terra na cidade e no campo.
Folha - Tem pesquisa de ritmos?
Chico Buarque - Não, não existe uma fidelidade ao folclore. São canções que me apareceram. Na verdade, a letra que já escrevi foi sobre uma música que Milton Nascimento me mandou para fazer. Falei: "Opa, essa música tem tudo a ver com as fotos do Salgado." Aí fiz a letra em cima das fotos e da música do Milton.
Folha - Você está viajando ao exterior para escrever um livro?
Chico Buarque - Não, tenho um show em San Remo (Itália) e vou terminar o acompanhamento da tradução do livro "Benjamim" para o francês e inglês.
Folha - Você pretende um dia transformar o hobby futebol em um projeto para livro ou disco?
Chico Buarque - Não, futebol eu só gosto de jogar. Aliás, vou perder amanhã porque não vou acordar cedo.
Folha - Você caminha tão rápido para não ser assediado?
Chico Buarque - Não, aprendi a andar rápido morando em São Paulo. Costumo dizer que meu apelido aqui era Carioca porque sempre mantive o sotaque do Rio. Mas adquiri sotaque paulista nos pés, que me faz andar depressa. No Rio, parece que estou fugindo das pessoas, mas não é, é um hábito. É o sotaque que me restou.